domingo, 6 de maio de 2012

Introdução


A bovine spongiform encephalopathy (BSE), ou encefalopatia espongiforme bovina, faz parte de um grupo de doenças raras, neurodegenerativas e irremediavelmente letais – as encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET). Esta doença, que afecta o sistema nervoso central dos bovinos, é vulgarmente denominada “Doença das Vacas Loucas” e foi detectada pela primeira vez no Reino Unido em 1986, tendo-se disseminado por vários continentes. Embora as primeiras medidas de controlo tenham sido implementadas em 1988, também no Reino Unido, os vários países vítimas desta pandemia, que atingiu o seu pico de incidência em meados dos anos 90, viriam também a estipular e adoptar as suas próprias. Apesar de existirem muitas teorias relativamente ao desenvolvimento e propagação desta doença, ainda nenhuma foi efectivamente comprovada, pelo que os estudos existentes se baseiam naquela que é a mais aceite pela comunidade científica na actualidade. Acredita-se, portanto, que a BSE, bem como as outras EET, é causada pela alteração conformacional de priões, mais concretamente da PrPc[1]. Embora ainda surjam casos pontuais de BSE, a propagação doença encontra-se hoje controlada.

Este trabalho foi desenvolvido por alunos do 1º ano [2] do mestrado integrado em Medicina Dentária da FMDUP [3], no âmbito das disciplinas de Biologia Celular e Molecular II, Bioquímica II e Epidemiologia e Bioestatística II. Com ele pretende-se analisar os aspectos fundamentais da BSE, que incluem os meios de propagação, os sinais e sintomas, possíveis tratamentos, incidência da doença a nível mundial, etc., tendo-se realizado, para tal, um levantamento da informação disponível em bases de dados fidedignas, de entre as quais a PubMed, a EBSCO e o RCAAP[4].



[1] Cellular prion protein.
[2] Catarina Silva Cardoso Lento de Oliveira, Patrícia Rafaela Pereira Rodrigues, Ricardo Manuel da Costa Rodrigues e Rui André Mendes Ribeiro.
[3] Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto.
[4] Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal.

Siglas e Acrónimos

Vão encontrar, ao longo das publicações, diversas siglas e acrónimos, normalmente referentes a termos científicos ou a associações. Para facilitar a leitura, deixamos aqui o significado de cada um deles:

·         ADN – Ácido dexorribonucleico;
  • APC – Análise de Coorte Histórica por Períodos de Idade;
  • ARN – Ácido ribonucleico;
  • ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica;
  • BAB – Born After Ban (Nascidos após o Feed Ban total);
  • BSE: Bovine Spongiform Encephalopathy;
  • CDF – Células dendríticas foliculares;
  • CJD: Creutzfeldt-Jakob Disease;
  • CWD: Chronic Wasting Disease;
  • DGV – Direção Geral de Veterinária;
  • EEB: Encefalopatia Espongiforme Bovina;
  • EET: Encefalopatias Espongiformes Bovinas;
  • EET: Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis;
  • ELISA: Enzyme Linked Imunosorvent Assay;
  • FCE: Fluido cerebrospinal;
  • FDA – Food and Drugs Administration;
  • IHQ - Imunohistoquímica;
  • MBM – Farinha de Carne e Osso (Meat and Bone Meal);
  • MRD - Membranas resistentes a detergentes;
  • MRE – Materiais de Risco Especificado
  • OIE - World Organization for Animal Health;
  • PAP – Proteína Animal Processada;
  • PMCA - Amplificação cíclica de proteínas desnaturadas;
  • PrP - Prion Protein;
  • PrPres - Prion Protein resistant;
  • PrPSc - Prion Protein Scrapie;
  • R0 – Rácio de Reprodução;
  • RER – Retículo endoplasmático rugoso;
  • RNA - Ácido Ribonucleico;
  • ScrapieV - Variant Scrapie;
  • SDS-PAGE - Sodium Dodecyl Sulfate Polyacrylamide Gel Electrophoresis;
  • SLR - Sistema Linforreticular;
  • SNC - Sistema Nervoso Central;
  • TR - Teste Rápido;
  • TSE - Transmissible Spongiform Encephalopathies;
  • UE - União Europeia;
  • vCJD - variant Creutzfeldt-Jakob Disease;
  • WB - Western Blotting.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (EET)

As encefalopatias espongiformes transmissíveis, por vezes designadas “doenças priónicas”, são raras, incuráveis, neurodegenerativas e fatais, afectando alguns grupos de mamíferos (1, 2). Acreditava-se que estas doenças podiam ser provocadas por vírus lentos, viróides[1] ou priões[2]. Os priões apresentam como principal característica o facto de serem constituídos por uma proteína única, a PrPc, e serem desprovidos de material genético, isto é, ADN ou ARN, o que levantou questões relativamente à sua multiplicação e à possibilidade de inactivação dos mesmos (2).

A PrPc foi descoberta, em 1982, pelo investigador estadounidense Stanley Prusiner (1, 2, 11, 12), que a identificou como causadora das encefalopatias espongiformes transmissíveis (1, 12) e que a denominou “prião” para a distinguir de vírus ou viróides (2, 12). Esta proteína encontra-se maioritariamente, embora não exclusivamente, na superfície das células nervosas de indivíduos sãos e é naturalmente segregada pelos neurónios. Vários estudos demonstraram, no entanto, que esta proteína pode coexistir com uma forma anormal patogénica designada por PrPres em animais com EET, que se acumula no tecido nervoso e conduz à sua destruição e consequente vacuolização (1, 2, 13, 14). Como é autocatalítica, a PrPres promove por si só a conversão do PrPc em mais PrPres, pelo que não é necessária uma exposição contínua ao agente; após a infecção ou mutação, a progressão da doença depende apenas da conversão induzida pela PrPres (15).

As EET caracterizam-se fundamentalmente pelas suas semelhanças de sintomas e sinais, que surgem quando a destruição provocada pela acumulação de PrPres é extensa: as perturbações do sistema nervoso, o período lento de incubação[3] e as lacunas no cérebro que surgem em fase avançada e que são observáveis na sua análise port-mortem (16). Após as primeiras manifestações, a morte surge irremediavelmente passado semanas ou meses.





[1] Partícula infecciosa hipotética.
[2] Proteinaceous infectious particle.
[3] Entre 2 a 8 anos, aproximadamente.

Vias de transmissão das EET

Estes tipos de EET podem então surgir por diferentes vias, de entre as quais:

  • Por via oral, através da ingestão de PrPres em alimentos contaminados – após a ingestão, os priões, resistentes a enzimas digestivas, são transferidos da mucosa intestinal para os linfócitos que se encontram nos órgãos linfóides periféricos (baço, timo e amígdalas). Posteriormente, o sistema nervoso periférico é atingido e só depois o sistema nervoso central. A infecciosidade é inicialmente detectável nos órgãos linfóides periféricos e só mais tarde no SNC; (3)

  • Exposição periférica/central ao agente – neste caso, o sistema linfo-reticular não intervém, assumindo a transmissão iatrogénica um papel preponderante. Assim, após exposição à PrPres por inoculação, hormonas de crescimento, cirurgias ou transfusões de sangue, há invasão neural com progressão rápida para o SNC; (3)

    • Transmissão periférica mãe/filho – este mecanismo permanece algo obscuro, pois é difícil distinguir se a transmissão ocorre verticalmente (mãe/feto) ou horizontalmente (mãe/recém-nascido); (3)

  • Esporádica - origem desconhecida; (3)

  • Hereditária – transmissão de gene autossómico dominante. (3)



Tabela 1 - Mecanismos de patogenicidade da BSE e dos diferentes tipos de CJD (3).




Tipos de EET

As encefalopatias espongiformes transmissíveis podem ser divididas em:

  • Infecciosas: PrPc exógeno chega ao cérebro e actua como um modelo para promover a conversão do PrPc em PrPres;

  • Esporádicas/Idiopáticas: a acumulação de PrPc leva à acumulação de PrPres suficiente para desencadear o processo patológico;

  • Hereditárias: mutações do gene PRNP[1] levam a que seja herdada uma forma de PrPc menos estável, o que leva a que haja uma taxa superior de transformação de PrPc em PrPres.



As encefalopatias espongiformes transmissíveis são doenças detectadas normalmente em animais de vida silvestre em cativeiro, bovinos e humanos, de entre as quais se podem destacar, na Tabela 2:


Tabela 2 - Exemplos de doenças priónicas em diferentes animais (3).



CJD


A CJD é a doença priónica humana mais frequente (1/1.000.000/ano). Esta doença pode ser esporádica (sCJD), familiar (fCJD) ou iatrogénica (iCJD), existindo também uma nova variante, a vCJD. A maioria é esporádica (85-95%), enquanto 5% a 15 % é familiar. A iCJD, por sua vez, representa menos de 1%3. A sCJD manifesta-se, normalmente, em idades compreendidas entre os 57 e os 62 anos. Por outro lado, a fCJD manifesta-se em indivíduos com idades ligeiramente inferiores às da sCJD, sendo que os jovens são os mais afectados pela vCJD e iCJD.

A distribuição da doença não é homogénea, contudo, existem clusters[7] de CJD, presumivelmente familiar, em algumas áreas geográficas: Norte de África, Israel, Itália e Eslováquia (13).

A forma esporádica é causada, provavelmente, pela mutação espontânea do gene do prião, sendo, portanto, a mais conhecida. A forma herdada ou familiar, como o nome indica, é transmitida geneticamente, enquanto a forma iatrogénica é transmitida através da transplantação da córnea, implantação de dura-máter, uso de instrumentos cirúrgicos contaminados ou pela utilização da hormona de crescimento proveniente da glândula pituitária humana. A variante da CJD apresenta como características particulares o facto de atingir indivíduos bastante jovens - todos com idades inferiores aos 40 anos - e um longo período de incubação. (16) Outra característica marcante da nova variante CJD são as parestesias nos membros inferiores, ausentes nas formas clássicas, que são normalmente dolorosas (17).



Ilustração 1 - Incidência anual dos vários tipos de CJD entre 1985 e 2000 (3).











[1] O gene PRNP codifica a forma celular da proteína priónica (PrPc).
[2] Fatal Spontaneous Insomnia.
[3] Transmissible Mink Encephalopathy
[4] Cronic Wasting Disease.
[5] Feline Spongiform Encephalopathy.
[6] Bovine Spongiform Encephalopathy.
[7] Agrupamentos naturais de elementos da população.

Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB)

A encefalopatia espongiforme bovina (EEB) ou, popularmente, Doença das Vacas Loucas, faz parte das EET, pelo que é uma doença crónica rara e degenerativa que afecta o sistema nervoso central dos bovinos (16). Esta doença foi detectada pela primeira vez no Reino Unido, em 1986 (Tabela 4), tendo-se disseminado por vários continentes (3), tal como é possível observar na tabela 3 e na ilustração 2 (3). Esta doença atingiu o seu pico em meados dos anos 90, encontrando-se hoje controlada graças à acção conjunta de diversas medidas preventivas adoptadas pelos países afectados. Apesar das terapias experimentais que se foram testando, esta doença permanece sem cura e conduz irremediavelmente à morte do animal.


Ilustração 2 - Comparação entre a distribuição da BSE na UE e no Reino Unido (1989-2005).





Ilustração 3 - Distribuição de casos de BSE nos países da UE com maior incidência da doença (3).









Ilustração 4 - Distribuição da BSE nos países da UE com menor incidência da doença (18).



Mecanismos de propagação da BSE


Embora tenha sido divulgado que a origem da BSE estava ligada à ingestão, por parte do gado bovino, de FCO, a verdade é que a origem da doença ainda não foi esclarecida (3). Formularam-se, no entanto, diversas teorias que pudessem explicar a propagação e consequente disseminação da mesma:


  • Teoria dos organofosfatos – proposta pela primeira vez por Purdey, em 1998, defende que os compostos organofostatados, nomeadamente o composto Phosmet, utilizados no combate a ectoparasitas do gado bovino, poderiam ser a causa primária da epidemia de EEB no Reino Unido (3). Segundo esta teoria, a acumulação de Phosmet no sistema nervoso central dos bovinos promovia a conversão de PrPc em PrPres. A debilidade desta teoria prende-se com o facto de o uso destes compostos ter sido anterior ao ano de nascimento dos primeiros bovinos diagnosticados com BSE e de haver uma forte incidência da doença em regiões onde estes nunca foram utilizados.

  • Teoria dos oligoelementos ou elementos-traço – proposta por Purdey, em 2000, esta teoria assenta na possibilidade de desequilíbrios minerais[1] causarem EEB. Esperava-se, então, uma maior incidência de BSE nos bovinos alimentados essencialmente com pastagem, o que não se verificou;

  • Teoria auto-imune – esta teoria defende que as EET e, portanto, a BSE, resultariam da destruição, provocada por anticorpos do próprio hospedeiro, de outras proteínas cerebrais que não a PrPc. Isto aconteceria devido a similaridades existentes entre proteínas bacterianas e cerebrais. A rejeição desta teoria prendeu-se com o facto de, apesar de as doenças cerebrais auto-imunes poderem ser induzidas experimentalmente, apresentarem uma neuropatologia muito diferente da das EET. Além disso, ratinhos sem o gene que codifica a PrPc continuavam a produzir anticorpos e apresentavam, no entanto, resistência às EET;

  • Teoria dos infra-sons – proposta em 2002 por Purdey, esta  teoria relaciona-se com a teoria dos oligoelementos, já que assenta na ideia de que as EET surgiram em zonas expostas a ondas acústicas infra-sónicas e com factores ambientais que potenciam desequilíbrios minerais no cérebro dos mamíferos. No caso particular da BSE, este desequilíbrio levaria os bovinos a serem incapazes de neutralizar os efeitos dos infra-sons, originando a doença;

  • Teoria da origem numa EET humana – proposta por Colchester em 2005, defende que a origem das EEB estaria  na reciclagem de um agente etiológico duma EET humana. Este agente encontrar-se-ia nos restos de cadáveres humanos que foram incluídos em FCO na Índia, cuja exportação levou à disseminação da doença. A teoria foi considerada plausível, mas impossível de testar (3);

  • Teoria da ração contaminada com o agente da scrapie – a scrapie é uma EET que afecta principalmente os ovinos e que, segundo esta teoria, estaria na origem da EEB, já que se encontrava em rações com FCO que incluíam cadáveres de pequenos ruminantes. Aquando do processamento das mesmas, o agente da scrapie ter-se-ia mantido activado e, ao ultrapassar a barreira da espécie, teria sofrido uma mutação que levou à infecção dos bovinos (3);
  • Teoria da mutação espontânea da PrPc – esta teoria defende que a PrPc existente maioritariamente na superfície das células nervosas sofre uma alteração espontânea na sua estrutura tridimensional que a torna patogénica, e que esta é a causa da EEB. É, actualmente, a teoria mais aceite. Esta alteração faz com que a PrPc se converta em PrPres(3) e confere-lhe resistência às protéases celulares, daí o seu nome PrPres. A PrPres é autocatalítica promovendo a formação de mais PrPres. Esta isoforma patológica, que pode ser de origem endógena (preexistência genética ou mutação) ou exógena (alimentar ou iatrogénica)(16). Como a forma patogénica da proteína (PrPres) é autocatalítica, os cadáveres infectados com a mesma, ao serem utilizados na produção de FCO, levariam à disseminação da doença (3). As evidências mais relevantes que apoiam esta hipótese são o facto de os ratos knockout serem resistentes às doenças priónicas sem possuírem o gene que codifica a PrPc e o de a sua susceptibilidade à mesma se alterar consideravelmente em ratos transgénicos (2).


A EEB seria então, à luz desta recente teoria, uma doença de ocorrência esporádica que passaria despercebida devido à inexistência de vigilância activa. Quando os animais deixavam de ser produtivos eram enviados para abate ou morriam com a doença na exploração. A propagação e amplificação teriam ocorrido da maneira descrita no parágrafo anterior. (3)





[1] Excesso de manganês e falta decobre, selénio, ferro e zinco.

Desenvolvimento da BSE

Acredita-se, portanto, que a BSE tem origem na alteração conformacional da PrPc em PrPres. Estas duas proteínas têm o mesmo número de aminoácidos (231 a 253, aproximadamente) (2), sendo, portanto, do mesmo tipo, e diferem apenas na sua estrutura tridimensional: a PrPc apresenta folhas alfa-helicoidais que são convertidas em folhas beta, o que torna a PrPres insolúvel e, portanto, mais resistente (3, 19).

Como já foi referido, a PrPc encontra-se maioritariamente nas células nervosas dos hospedeiros que possuem, por sua vez, um gene que a codifica, o PRNP (3)Esta proteína possui diferentes domínios, incluindo um sinal peptídico no extremo amino-terminal (cerca de 100 aa), uma série de cinco repetições de octapéptidos ricos em prolina  e glicina, um segmento central hidrofóbico altamente conservado e uma região hidrofóbica no extremo carboxilo-terminal (~ 100 aa). Esta região é estabilizada por uma única ponte dissulfureto, é constituída por três -hélices e duas folhas  e funciona como um sinal para a adição de uma âncora de fosfatidilinositol  à membrana, o que permite que a PrPc se mantenha à superfície das células. Como acontece com qualquer proteína, a PrPc é sintetizada no RER e transportada para o Complexo de Golgi. Durante a sua biossíntese, sofre diversas modificações pós-transduccionais, ainda não totalmente esclarecidas, tendo-se verificado que a proteína tem tendência a modificar-se para a sua forma patogénica. (1, 2, 19).

Ilustração 5 - PrPc

Quando se dá a sua conversão em PrPres, esta nova forma patogénica tende a formar agregados parcialmente resistentes (11) a proteases (nomeadamente a protease K), sejam elas endógenas ou exógenas (1, 2).




Ilustração 6- Diferenças conformacionais entre PrPc e PrPres (2)



Como muitos priões entram no organismo através da ingestão directa (20), verifica-se que muitos destes conseguem viajar desde o tracto digestivo até ao sistema nervoso central (2, 19). Ao chegarem ao intestino, estas proteínas infecciosas penetram na mucosa e alcançam as placas de Peyer (2), onde se depositam e replicam ao nível das células dendítricas foliculares [1]. Embora não haja certezas quanto à forma como os priões alcançam efectivamente as CDF, foram propostos como transportadores vários tipos de células, nomeadamente os enterócitos, os fagócitos mononucleares e as células M, sendo as últimas as mais aceites actualmente.


As células M são células especializadas no transporte transepitelial de macromoléculas e de alguns antigénios. Embora permitam ao organismo do hospedeiro uma adequada resposta imunitária ao nível do lúmen intestinal, as células M são muitas vezes “exploradas” por microorganismos patogénicos que as usam para entrar na mucosa, como se acredita ser o caso dos priões (20).


Ilustração 7 - Transporte transepitelial de priões

Além das CDF, acredita-se que os priões também se depositam e replicam no sistema linforreticular (vasos e nódulos linfáticos), de onde avançam através do sistema nervoso periférico até alcançar o cérebro do hospedeiro, onde acabam por se acumular (2, 19).




Os priões possuem outras características, nomeadamente a sua resistência ao meio externo e a acções físico-químicas, sendo capazes de suportar condições extremas: embora muitos (senão todos) fiquem inactivados, em condições normais, a temperaturas entre os 134  e os 138 , outros toleram, em condições de calor seco, temperaturas até aos 360 . Além disso, suportam grandes variações de pH, desde valores muito ácidos a muito alcalinos, podendo permanecer nos solos por um período de 3 anos (1, 19, 20). Apesar da sua elevada resistência, os priões são sensíveis ao hipoclorito de sódio [1] (1).


Tabela 3 - Diferenças entre PrPc e PrPres (2).




Existe uma barreira de espécies que, teoricamente, restringe a transmissão de doenças priónicas entre diferentes espécies de mamíferos. Tal acontece porque os genes PrP dos mamíferos são altamente conservados, o que leva a que apenas um número limitado de conformações da proteína PrPres seja termodinamicamente favorável. Visto que priões de duas espécies diferentes terão muito provavelmente poucas semelhanças conformacionais, a barreira de transmissão será muito elevada e impedirá, normalmente, uma infecção por priões. Se houver, no entanto, uma grande semelhança conformacional entre as PrPres de duas espécies diferentes, a transmissão de encefalopatias espongiformes transmissíveis é mais simples e viável (2).











[1] Células presentes nos folículos dos linfócitos B e nos centros germinativos do tecido linfóide.
[2] Mínimo de 2% de Cloro ou de Hidróxido de Sódio 2N, aplicado durante mais de uma hora a 20º  para as superfícies, ou durante uma noite para o material.